Com lançamento previsto para 27 de abril no SESC Ideias, organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF), o livro “Turismo Legitimado: Espetáculos e Invisibilidades”, do pesquisador Helio Hintze , publicado pelas Edições SESC-SP, é um convite à reflexão crítica sobre a indústria do turismo inserida na ótica do capitalismo. Fruto de sua tese de doutorado, defendida na USP, que consumiu quatro anos de estudos e intensa pesquisa, a obra coloca em relevo e questiona os discursos legitimadores do turismo contemporâneo firmados sob as perspectivas da comodificação e do clichê turístico, por meio de expedientes de persuasão no uso dos discursos.

“A motivação para elaborar essa tese que agora chega ao mercado como um livro surgiu da observação de que o Brasil é um lugar que está sendo construído como um paraíso turístico, mas essa construção esconde muitas mazelas”, diz Hintze. “À época do meu estudo sobre o turismo, percebi que a bibliografia brasileira estava pouco preocupada em fazer uma crítica radical, pois a esmagadora maioria dos estudiosos entende que, ‘bem planejado, o turismo é a oitava maravilha do mundo’. Na verdade, a coisa não é bem assim. Aliás, a ideia de ‘se bem planejado’ é um discurso tipicamente neoliberal. Então, eu quis fazer uma contribuição crítica radical. As pessoas têm medo da palavra radical e a confundem com extremista. Meu trabalho é radical, uma vez que busca as raízes, as origens e as fundações do turismo como máquina de produção de subjetividade capitalista”, explica.

Para Hintze, o tema da subjetividade capitalista que permeia sua obra pode ser facilmente exemplificado. “O turismo é uma indústria que movimenta bilhões de dólares ao redor do mundo. É uma atividade capitalista por excelência. E o que quer o capital? Produzir mais capital. Nessa lógica, tem no turismo a máquina perfeita para a produção de mais capital em razão de um aspecto importante do setor: a produção se dá ao mesmo tempo que o consumo. Diferentemente de um celular que ainda precisa demorar, por exemplo, seis meses para estragar ou ficar obsoleto quanto ao design, o consumo no turismo termina assim que o avião pousa, a diária do hotel vence, o pacote turístico acaba. Aí o cliente já está pronto para consumir de novo, mas se ele pode, é outra questão. Portanto, o caráter de consumo (e descarte) imediato do turismo é um grande atrativo para que o capital invista fortemente nele”, afirma. Mas, e a memória afetiva que não se apaga – esse bem imaterial –, decorrente de uma experiência de viagem? “Esse é o ponto em que se dá a subjetivação capitalista, com a mescla entre a produção de lembranças afetivas (válidas, bonitas e necessárias), porém resultantes de um ato de consumo fortemente subjetivador. Dessa forma, quanto mais profunda e afetiva for a memória, tão mais fundo terá ido o capital”, pondera.

Além disso, diz o autor: “Tudo o que o turismo-capital toca torna-se atrativo-mercadoria. Até mesmo os turistas, que são estimulados a acreditar que são consumidores de um outro tipo (consumidores não consumistas). Nesse prisma, produz-se a figura de turistas e servidores /comunidade local tocados em seu mais íntimo pelo capital e os contatos com as pessoas tornam-se hierarquizados (consumidores superiores e consumidos inferiores). Em outras palavras, é o comportamento capitalista aplicado às suas próprias vivências. O turista faz contato com os locais? Sim, mas na forma de servidores ou de atrativos turísticos (se forem atrativos europeus, são os que devem ser vistos; se são países pobres, se as pessoas são negras ou periféricas, são os exóticos a serem contemplados pelos consumidores (brancos, centrais, cristãos, de bem, bem-sucedidos e homens – em geral, heterossexuais)”, avalia.

Quanto à espetacularização do turismo por meio da reafirmação de clichês, Flávia Roberta Cortez Lombardo Costa, mestre em Ciências da Comunicação – Turismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP, e coordenadora de Turismo Social do Sesc SP, afirma na apresentação do livro: “Nesta obra fica evidente que essa espetacularização torna invisíveis as graves adversidades que as dinâmicas do mercado impõem, como a fabricação e a manutenção de desigualdades sociais, a conversão de pessoas, culturas e ambientes em recursos a serem explorados pelo capital, além da descartabilidade de destinos turísticos nos quais estas e outras malversações já se impuseram. Quanto mais se espetaculariza o turismo, mais os problemas na atividade são tornados invisíveis, como lutas de poder, racismo e sexismo”, afirma.

Toda a reflexão de Hintze tem por proposta, segundo ele, estimular o olhar crítico de todos os que se interessam pelo turismo, que, para ele, não é apenas desejo, sonho, entretenimento, lazer ou fonte de emprego. “Mais do que isso, é partícipe da grande estrutura capitalista, que tem como fim inequívoco o lucro, que produz e reproduz relações de poder em diversos níveis e influencia a vida de milhões de pessoas, alterando seus ambientes naturais e construídos, servindo-se das mais diversas culturas para transformá-las em produtos turísticos”, analisa.

Sobre as possíveis contribuições de seu trabalho, o autor afirma que busca apresentar ideias sobre caminhos possíveis (na pesquisa, no estudo, no ensino, no planejamento e na vivência/fruição do turismo) que levem a novas posturas. “Precisamos de mudanças em todos os níveis e sabemos que o grande capital (WTTC e OMT) não vai abrir mão da grandiosa indústria do turismo e dos ‘benefícios’ que eles tanto alegam que a atividade gera. No aspecto mais pontual, acredito na formação de pessoas, no planejamento de atividades turísticas que possam gerar encontros não hierarquizados (em que o turista é enganosamente colocado na posição de sujeito, consumidor, cliente e, para alguns mais empolgados, de rei) e as pessoas (trabalhadores e moradores locais) não sejam observadas como mercadorias. É isso que tem que mudar. Precisamos produzir encontros que sejam baseados na busca pela solidariedade e pela sustentabilidade como horizonte de possibilidades”.

Dia 27 de abril de 2021, terça-feira, às 16h

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